A prisão do MC Poze do Rodo, conhecido por suas letras cruas e diretas sobre a realidade das comunidades e a vivência periférica no Rio de Janeiro, provocou debates acalorados na semana ada: onde termina a arte e começa a apologia ao crime? Esse é um tema delicado e relevante, principalmente em um país como o Brasil, onde as expressões culturais das favelas são frequentemente criminalizadas.
De acordo com a advogada criminalista Suéllen Paulino é possível existir arte como reflexo da realidade, mesmo sendo uma realidade criminosa. Em conversa com a coluna, a especialista refletiu sobre essa linha tênue.
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“A arte é, muitas vezes, um espelho da realidade. Quando um artista retrata violência, tráfico ou qualquer outra temática ligada ao crime, ele pode estar apenas expondo uma vivência — seja ela própria ou observada. A criminalidade, infelizmente, é parte do cotidiano de muitas pessoas, e ignorar isso seria ignorar parte da história brasileira. O cinema, o teatro, a literatura e a música sempre retrataram temas polêmicos. O funk não é diferente”, afirmou.
Poze pode ser enquadrado?
Ainda durante o bate-papo, Suéllen Paulino opinou se é possível enquadrar Poze do Rodo em algum artigo criminal, ainda que as letras de suas músicas possam ser vistas como uma crítica social.
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MC Poze do Rodo
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Último post do MC Poze, ele disse que queria levar flamenguistas ao Maracanã
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MC Poze do Rodo
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Em 2024, MC Poze teve bens apreendidos durante uma operação da PCERJ
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MC Poze com a blusa do flamengo e exibindo joias
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Poze do Rodo
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Poze do Rodo posa ao lado da logo da TV Globo durante uma visita à emissora
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Poze do Rodo posa com um cordão de ouro
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“Em tese, sim. O Código Penal prevê no artigo 287 o crime de apologia ao crime ou criminoso, com pena de 3 a 6 meses de detenção ou multa. No entanto, a aplicação prática desse artigo exige cautela, pois o Poder Judiciário precisa analisar o contexto, a intenção e o conteúdo específico da obra”, declarou, antes de completar:
“Uma letra que descreve a realidade ou faz uma crítica social não pode ser confundida com um incentivo direto ao crime. Seria uma violação grave da liberdade artística criminalizar um artista apenas por cantar sobre aquilo que viu ou viveu”, declarou.
Diferenças entre apologia e liberdade
A advogada explicou, ainda, como diferenciar a apologia ao crime da liberdade de expressão artística: “A diferença está no intuito da mensagem. Se a obra exalta, incentiva ou glorifica o crime como algo positivo e desejável, há risco de configurar apologia. Por outro lado, se a música denuncia, retrata ou narra uma vivência, ainda que dura e violenta, está amparada pela liberdade de expressão. A Constituição Federal garante essa liberdade (art. 5º, IX), e o STF já reconheceu que ela é essencial à democracia. Ou seja: nem toda referência ao crime é criminosa. Criminalizar a arte pode ser uma forma velada de censura”, esclareceu.
E continuou seu relato, dizendo que a música pode ter um impacto significativo sobre o público, especialmente os jovens, que podem ser influenciados pelas letras e adotar comportamentos semelhantes.
“Toda forma de arte tem impacto — e a música talvez seja a mais poderosa delas. No entanto, a responsabilidade sobre o comportamento social não pode recair exclusivamente sobre o artista. Há uma diferença entre retratar a violência e promover a violência. A educação, o o à cultura e o debate aberto são ferramentas muito mais eficazes do que a criminalização da arte para lidar com possíveis influências negativas”, ponderou.
Questão de equilíbrio
De acordo com a criminalista, para que haja um relação saudável entre a liberdade de expressão artística e a apologia ao crime é fundamental que o Estado, a sociedade e o Judiciário atuem com equilíbrio e sensatez.
“A arte precisa de liberdade para existir — mesmo quando incômoda. Ao mesmo tempo, o discurso que incita o crime ou a violência de forma irresponsável precisa ser coibido. O segredo está na interpretação cuidadosa, no debate público qualificado e, principalmente, na não criminalização automática de manifestações culturais das periferias, como infelizmente ainda ocorre no Brasil”, analisou.
Em seguida, ela finalizou: “Poze do Rodo, como tantos outros artistas periféricos, não pode ser julgado apenas por sua estética ou por palavras soltas de suas letras. É preciso escutar o que há por trás da música: uma realidade que o Estado muitas vezes ignora, mas que a arte insiste em lembrar”, concluiu.