3 de junho de 2025

“Não tenho nem rede”, diz “dono” de terra de 300 hectares grilada

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Pessoas utilizadas como laranjas para legalizar lotes de terra da União no Pará afirmam desconhecer qualquer propriedade em seus nomes, dizem morar muito distante das propriedades e negam conhecer os grileiros presos pela Polícia Federal (PF) na operação Imperium Fictum.

“Não tenho nem rede, como é que vou ter terra?”, disse à coluna um dos laranjas usado, sem saber, em esquema de grilagem de terras públicas no Pará, cujos integrantes são investigados atualmente pela PF.

Segundo as apurações, o grupo suspeito de usurpar propriedades da União usava dados de terceiros para fraudar processos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), dando um verniz de legalidade ao esquema. Essas pessoas, no entanto, desconheciam o esquema investigado e negam qualquer relação com os envolvidos ou com as propriedades atribuídas a elas.

De acordo com documentos da PF, as terras liberadas em nome dos laranjas eram vendidas, posteriormente, de forma fraudulenta para os responsáveis pela grilagem e pessoas ligadas a eles. A PF aponta como líder do grupo o empresário Debs Rosa, preso preventivamente.

No curso da apuração, após descobrirem o uso de laranjas, os agentes aram a entrar em contato com essas pessoas, que negaram ser donos de qualquer propriedade rural sob suspeita. Foram identificadas pelo menos 17 pessoas colocadas nessa situação, em sua maioria pessoas idosas, e algumas com mais de 80 anos.

Laranjas

A coluna também tentou contatar essas pessoas. Delas, apenas três responderam, mas nenhuma quis se identificar. A maioria, no entanto, não respondeu ou sequer possuía um número de telefone para contato.

As vítimas que falaram com a coluna sob condição de anonimato, confirmaram não possuir qualquer terra e disseram não ter conhecimento sobre a investigação da Polícia Federal. Dois dos entrevistados também afirmaram viver em Santarém (PB), localidade a mais de 500Km do local das propriedades, em tese, legalizadas em seus nomes.

Um deles, um homem de 43 anos, quando questionado se possuía alguma terra em seu nome, disse à coluna que não tinha dinheiro nem para comprar uma rede, quem dirá adquirir uma propriedade.

“Não tenho nem rede [para deitar], como é que vou ter terra? Você tá mexendo com o cara errado”, afirmou, rindo.

Segundo informações obtidas pela PF, o homem consta como proprietário originário de uma terra de 300 hectares na Gleba Belo Monte. À coluna, ele disse que não sabe onde fica o local.

Ele também negou conhecer outros investigados na operação da PF, inclusive Debs Antônio Rosa, apontado como líder da organização.

Em outro caso, a coluna conseguiu contato com o irmão de um dos supostos laranjas, um homem de 85 anos que, segundo seu irmão, seria aposentado do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), ganhando cerca de R$ 2 mil por mês.

“Meu irmão não trabalha, é aposentado do INSS. Não sabe nem o que é propriedade rural […] Isso não tem nada a ver conosco. Não tem a mínima possibilidade. Zero”, afirmou.

De acordo com a relação de matrícula obtida pela PF, o idoso seria o proprietário original de um terreno de 84 hectares, denominado de Sítio Campo Novo, em Gleba Belo Monte, no município de Senador José Porfírio.

Contudo, quando a localidade da propriedade foi citada, o irmão do suposto laranja afirmou que vive em Santarém, cidade a quase 600 km de Senador José Porfírio. Ele também nega conhecer outros investigados.

A coluna também foi atendida pelo filho de uma mulher que teria sido usada como laranja no esquema. Segundo a PF, ela seria a proprietária original de uma terra de cerca de 100 hectares, também em Gleba Belo Monte.

Ele também afirmou que mora em Santarém, ao lado da mãe. “Eu sou CLT, minha mãe é aposentada, nunca nem saiu daqui […] Sei nem onde diabos fica isso [a cidade do Senador José Porfírio]”, disse.

Da mesma forma que os outros contatados, ele nega que a mãe seja dona da terra, nem conhece outros investigados no caso. “Minha mãe tem uma casinha aqui que meu pai deixou de herança”, afirmou. Questionado sobre a suposta venda da propriedade, ele riu. “Mas como?”, questionou.

Fases do esquema

Como mostrou a coluna, o esquema de grilagem teria pelo menos seis fases diferentes. Além da falsificação de processos no Incra, havia a etapa de inserção de dados falsos no Cadastro do Imóvel Rural, lavratura de escritura pública de compra e venda com posterior registro em cartório, transferência da matrícula e contratação de financiamento rural ou venda do imóvel grilado.

A fraude dos processos, segundo a PF,  seria apenas o início do esquema, que tinha por objetivo “criar uma aura de legalidade em torno de terras públicas usurpadas, preparando o terreno para as etapas seguintes do esquema”.

Veja abaixo o o a o da organização criminosa, segundo a PF:

Operação Imperium Fictum 

A investigação teve início em 2023 pela Polícia Federal em Altamira (PA). Segundo a corporação, o grupo atuava em uma rede criminosa organizada e com um modo de atuação “meticuloso”. Foram reveladas, por exemplo, “fraudes estruturadas” em cartórios de registro de imóveis.

Foram identificados o uso de documentos falsificados, registros baseados em títulos forjados e a atuação de agentes públicos e privados no esquema, que atuariam na “confecção de escrituras públicas falsas, a inserção de dados fraudulentos em sistemas cadastrais oficiais e a posterior comercialização de imóveis grilados”.

O esquema incluía ainda falsificação de processos no Incra, simulação de transações imobiliárias, registros indevidos em cartórios e obtenção de financiamentos rurais com garantias baseadas em propriedades griladas.

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Policiais federais durante operação contra fraudes fundiárias no Pará

Reprodução2 de 2

Carro da PF durante operação contra fraudes fundiárias no Pará

Reprodução/PF

A partir das apurações, foi deflagrada em 21 de maio a primeira fase da Imperium Fictum, que mobilizou centenas de agentes e resultou no cumprimento de 39 mandados de busca e apreensão e 9 mandados de prisão preventiva, expedidos pela 4ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Estado do Pará.

Os mandados foram cumpridos no Pará e em outros sete estados, além do Distrito Federal. Como mostrou a  coluna, além das prisões e buscas, a Justiça também determinou o sequestro e bloqueio de R$ 608 milhões dos investigados.

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