12 de junho de 2025

Há 27 anos, Lucio Costa foi morar na mais simples das sepulturas

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O túmulo é o mais simples na imensidão reluzente de mármore, granito e bronze que avança pela encosta do morro São João Batista, em Botafogo, no Rio de Janeiro. É o único naquela cidade dos mortos ilustres a ter a pele pura de concreto, sem nenhum revestimento. É uma construção relativamente recente. Quem nela está sepultado morreu em 13 de junho de 1998, há 27 anos.

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Na superfície do túmulo, ainda se consegue ver os traços do Plano Piloto de Brasília, a única identificação que restou nesses quase 30 anos de sol, chuva, vento e orvalho. Se o visitante levantar levemente os olhos verá o Cristo Redentor ao longe. No silêncio de concreto e pedra, no meio da agitação do Rio de Janeiro, bate uma sensação ao mesmo tempo telúrica e religiosa. Estou diante da sepultura de Lucio Costa, a quem venho dedicando faz algum tempo meus dias, minhas noites e meus quase obsessivos pensamentos.

Lucio Costa deixou o apartamento no predinho de pilotis do Leblon aos 96 anos e foi morar ao lado de alguns dos mais importantes personagens da história, da arte e da cultura brasileira de 1874 para cá. De Machado de Assis a Nelson Rodrigues, de Santos Dumont a Portinari, do Marechal Rondon ao Chacrinha. Todos vestidos de pedras nobres, menos o arquiteto, um dos mais importantes do Brasil, um dos mais relevantes da arquitetura moderna no mundo.

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O corpo do criador do Plano Piloto de Brasília jaz do mesmo modo em que viveu, muito discreta e verdadeiramente. Apenas o concreto aparente, áspero, sem nenhuma firula de estilo, nenhum requinte despropositado. Apenas uma placa de metal (já bem deteriorada) com o risco da obra mais importante do arquiteto, a nova capital do Brasil. O túmulo é perpétuo – nele está sepultado o pai do arquiteto, o engenheiro natal Joaquim Ribeiro da Costa, almirante da Marinha e muito mais que isso, inventor de máquinas navais e … poeta apaixonado (mas essa é uma outra história).

Quando fui ao Rio de Janeiro, em março ado, à procura das pegadas de Lucio Costa na velha capital, comecei as andanças pelo cemitério. Depois de quase meia hora de caminhada entre túmulos, lá estava o jazigo 13414, tão absurdamente discreto que, por isso mesmo, se impunha na imensidão de revestimentos brilhantes. Quase uma provocação, tamanha simplicidade.

O criador do projeto da nova capital do Brasil, do projeto original da Barra da Tijuca e, com outros cinco arquitetos, do projeto do Palácio Gustavo Capanema, não recebeu nenhuma homenagem solene. Houve apenas uma discreta salva de palmas no cemitério. Nenhuma autoridade daquele tempo, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, o então governador do Rio, Marcello Alencar, e o então prefeito, arquiteto Luiz Paulo Conde, nenhum apareceu. Só o governador do DF à época, Cristovam Buarque, foi à despedida do criador de Brasília.

Houve alguma indignação entre os presentes, o cineasta Luiz Carlos Barreto, amigo de Lucio, foi um deles: “Lucio Costa era uma das personalidades mais importantes da cultura brasileira. Mesmo assim, não houve qualquer iniciativa das autoridades na organização do velório. O mínimo que poderiam ter feito era levar o corpo para o Palácio Gustavo Capanema. Essa omissão institucional é um pecado imperdoável”.

Talvez, lá dentro, Lucio Costa tenha agradecido a exaltação afetiva de Barreto, mas deve ter feito um muxoxo: “Deixa estar, eu valho pelo que sou e pelo que fiz. Só quero descansar em paz, eu já estava cansado de viver”. E deve ter sorrido, um sorriso levemente irônico, suavemente triste.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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