Horas antes de embarcar para o Acre a fim de participar da 15ª Reunião Anual da Força-Tarefa dos Governadores para o Clima e Florestas (GCF Task Force), a acreana Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, disse, em São Paulo, “negociações internacionais podem ser prejudicadas” sobre o projeto que afrouxa licenciamento ambiental e aprovado pelo Senado. A declaração da ministra foi dada em leilão de concessão de floresta pública para manejo florestal, em São Paulo, na quarta-feira (21).
A GCF Task Force deste ano está sendo realizada em Rio Branco de segunda-feira (20) até amanhã, sexta-feira (23), no Centro de Convenções da Universidade Federal do Acre (Ufac). No Acre, a ministra deverá afirmar ter “total discordância” com o avanço de propostas no Congresso Nacional que flexibilizam regras ambientais, especialmente no licenciamento. “As mudanças representam um retrocesso que ameaça tanto os compromissos climáticos do Brasil quanto acordos comerciais em negociação, como o entre o Mercosul e a União Europeia”, disse a ministra em São Paulo e deve repetir isso se confirmar sua vinda ao Acre, onde iniciou sua carreira política.
No início do mês, duas comissões do Senado aprovaram um projeto que flexibiliza as regras para licenciamento ambiental e cria um novo marco para regularização de atividades econômicas. A proposta tramitou de forma pouco usual, com um relatório conjunto das comissões de Meio Ambiente e Agricultura. Segundo a ministra, é possível produzir agilidade no processo de licenciamento sem perda de qualidade.
A Ministra vai participar do encontro nesta sexta-feira/ Foto: Bruno Spada
“O problema é que os homens podem até flexibilizar do ponto de vista da legislação. Mas a natureza não observa e não considera essas flexibilizações. Aquilo que contamina as águas vai continuar contaminando do mesmo jeito. O que produz emissão de CO2 vai continuar emitindo e aquecendo o planeta. E os impactos indiretos, inclusive, que estão sendo desconsiderados para o processo de licenciamento, são altamente deletérios. Temos total discordância com os retrocessos que estão sendo produzidos”, disse Marina Silva, após leilão de manejo florestal na Bolsa de Valores, em São Paulo.
Marina Silva disse ainda que o governo, por meio do senador Jaques Wagner (PT), líder do governo, e das bancadas aliadas, busca negociar para impedir retrocessos. Ela argumenta que projetos como esse am “sinal trocado” para outros países e têm impacto não somente nas metas de redução de CO2, mas nos processos de negociação entre Mercosul e União Europeia.
“É um sinal trocado que está sendo ado. E o governo está muito preocupado com tudo isso, porque nós queremos salvaguardar o interesse econômico, o interesse social, o interesse ambiental e geopolítico do nosso país”, afirmou.
Outro ponto de preocupação no projeto aprovado no Senado é quanto à renovação automática para atividades consideradas como de baixo ou médio potencial poluidor. “Se você pode imaginar o que aconteceu em Brumadinho, por exemplo, e Mariana, que eram considerados empreendimentos de médio impacto, o que mais afetou foram, digamos assim, uma série de impactos indiretos que até hoje nós temos que lidar com eles, sem considerar, obviamente, aquele que é o impacto de todos, que foi a perda da vida das pessoas”.
Questionada sobre a declaração da presidente da Petrobras, Magda Chambriard, que disse “let’s drill, baby!” durante um evento nos Estados Unidos em que defendia a exploração de petróleo da Margem Equatorial brasileira, que vai da Foz do Amazonas até o Rio Grande do Norte, numa clara referência à frase popularizada por Donald Trump, “drill, baby, drill” —, a ministra Marina Silva evitou comentários diretos, mas respondeu com ironia, mencionando outras frases de autores famosos: “Frase de efeito, cada um tem uma pra chamar de sua. Eu prefiro usar outros referenciais. Victor Hugo, por exemplo: nada é mais poderoso que uma ideia cujo tempo chegou. A ideia cujo tempo chegou, é que nós temos que mudar o modelo de desenvolvimento, fazer transição energética, mas eu não vou fazer comentário, posso falar apenas das referências para repetir frases, como da Hannah Arendt, que a gente não deve destruir as condições em que a vida nos foi dada”, disse.
O que muda no licenciamento ambiental
Uma das principais mudanças previstas diz respeito ao fim do chamado processo trifásico, atualmente em vigor, no qual o licenciamento ambiental é tradicionalmente dividido em três fases: Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO). Este processo poderia ser substituído pela Licença ambiental única (LAU), que atesta em uma única etapa a capacidade de instalação, ampliação da atividade/empreendimento.
Outro ponto de mudança diz respeito à necessidade do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para avaliar os possíveis impactos da atividade ou empreendimento no meio ambiente. Pelo novo texto, empreendedores poderão emitir uma Licença por Adesão de Compromisso (LAC), que dispensa a necessidade de análise detalhada por parte dos órgãos ambientais — exceto as atividades de alto impacto ambiental.
Um dos principais motivos de polêmica diz respeito à renovação automática das licenças ambientais. Atualmente, empreendedores precisam revalidar periodicamente as suas licenças. Pelas regras aprovadas nas comissões do Senado, a a valer a renovação automática, para atividades consideradas como de baixo ou médio potencial poluidor.
Também há mudanças em relação às penas para quem cometer o crime de construir ou reformar obras ou serviços poluidores sem licença ambiental. Neste caso, houve endurecimento das regras, já que a pena salta de um a seis meses de prisão para seis meses a dois anos de prisão ou multa, ou ambas cumulativamente. A pena poderá dobrar, caso o licenciamento do empreendimento for sujeito ao Estudo Prévio de Impacto Ambiental