23 de maio de 2025

Mulher, o que a absolvição de Daniel Alves tem a dizer para você?

Daniel Alves foi condenado em fevereiro de 2024 a quatro anos e seis meses de prisão por agressão sexual contra uma jovem em uma boate de Barcelona

Daniel Alves foi condenado em fevereiro de 2024 a quatro anos e seis meses de prisão por agressão sexual contra uma jovem em uma boate de Barcelona, em um caso ocorrido em dezembro de 2022.

No entanto, em março do corrente ano, o Tribunal Superior da Catalunha anulou a condenação e absolveu Alves de forma unânime. O júri, composto por três mulheres e um homem, concluiu que a decisão que o condenou continha uma série de “lacunas, imprecisões, inconsistências e contradições sobre os fatos”. Além disso, apontou a falta de confiabilidade no depoimento da vítima.

“A divergência entre o que a queixosa relatou e o que realmente aconteceu compromete seriamente a fiabilidade de sua história”, afirmou a decisão do Tribunal da Catalunha.

Na referida decisão, o TJSC declarou que, “pelas provas apresentadas, não se pode concluir que tenham sido superados os padrões exigidos pela presunção de inocência”. O Tribunal ponderou ainda que não dar como “provada” a acusação não significava afirmar que a versão de Daniel Alves era verdadeira. Ele foi, portanto, absolvido por “falta de prova”, o que não significa que tenha sido considerado inocente.

A advogada da jovem que acusa Daniel Alves de agressão sexual declarou que ainda avalia se entrará com uma apelação contra a sentença, mas que isso poderia representar um prolongamento do “inferno” vivido por sua cliente.

Embora esse caso não tenha sido julgado no Brasil, ele expõe o total descrédito dado à palavra das mulheres. Apesar de Daniel Alves ter mudado sua versão dos fatos mais de cinco vezes, a Justiça ignorou esse “detalhe” e desconsiderou a vítima como confiável.

Chama atenção a assimetria na avaliação das provas. O depoimento da vítima foi considerado não confiável, mesmo havendo evidências de agressões físicas atestadas pelo médico legista, sêmen compatível com o de Daniel Alves em seu corpo, gravações da jovem saindo chorando após o ato e nenhum indício de vantagem financeira para a denunciante. Ainda assim, a mãe do atleta revelou publicamente a identidade da jovem, um gesto que, por si só, já configura uma forma de violência psicológica e moral.

Foi o fato de Daniel Alves mudar sua versão cinco vezes que lhe conferiu credibilidade? Ou foi o apoio financeiro de Neymar, outro jogador influente e rico? A presunção de inocência é um princípio fundamental, mas parece ser aplicada com mais rigor quando se trata de homens ricos e famosos. A seletividade na sua aplicação é evidente.

A verdade é que as mulheres precisam provar muito mais, tanto quando são rés quanto quando são vítimas. A tendência é desqualificar suas denúncias, perpetuando uma estrutura que naturaliza a violência contra as mulheres e protege os poderosos — uma verdadeira máquina de moer mulheres.

A absolvição de Daniel Alves representa um retrocesso para todas as sobreviventes de violência sexual. Esse episódio escancara, de forma brutal, os níveis de revitimização a que uma mulher é submetida ao denunciar um abuso. Ele evidencia como o sistema jurídico, em qualquer parte do mundo, se recusa a validar o depoimento das vítimas de estupro como prova suficiente para condenar um agressor.

Esse caso é simbólico porque reforça uma narrativa contra a qual insistimos em resistir: a de que denunciar um estupro é inútil. A mensagem transmitida por essa decisão é clara: se nem um caso amplamente divulgado, com uma sentença inicial fundamentada em provas suficientes para uma condenação, foi tratado com seriedade, como as mulheres anônimas podem confiar na Justiça?

No Brasil, a condenação na Corte Internacional contribuiu para avançarmos com a Lei Maria da Penha. Da mesma forma, por meio da repercussão social e midiática, conquistamos as Leis Mariana Ferrer e Carolina Dieckmann. Só avançamos quando nos unimos e fazemos barulho. Caladas, não venceremos.

Infelizmente, dinheiro, patriarcado, influência e machismo falaram mais alto. Talvez seja a hora de repensarmos as estruturas do sistema de Justiça. Seguiremos firmes na luta por justiça, tentando deixar um legado melhor para as futuras gerações. Como dizia minha avó: “Não é como as coisas deveriam ser, é como as coisas são. Se cuidem sempre!”.

Vanessa Paes

Vanessa Paes

Advogada

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