A quebra de confiança pode ser fatal para um relacionamento. A infidelidade pode ir muito além da simples atração física ou emocional por outra pessoa — tornando-se ainda mais grave quando envolve a omissão de fatos que afetam diretamente a convivência do casal, como mentiras sobre a situação econômica de um dos parceiros.
Em uma relação amorosa, o casal faz planos financeiros para alcançarem metas importantes para o seu relacionamento, como a compra de uma casa ou automóvel, a realização de uma cerimônia de casamento ou até grandes viagens. Mas as coisas ficam complicadas quando uma das partes comete a chamada “infidelidade financeira” – que é quando uma pessoa oculta ou manipula informações econômicas do parceiro, rompendo acordos implícitos ou explícitos da relação.
Do ponto de vista de Arnaldo Cheixas Dias, psicólogo analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, esse tipo de infidelidade pode ser enxergado tanto pelo lado positivo quanto pelo negativo.
Enquanto a omissão de fatos de seu parceiro vem como uma maneira de se esquivar de conflito, ele também pode funcionar como um “analgésico emocional”, que traz alívio imediato para a situação desconfortável, mas não resolve o problema. Com o ar do tempo, a série de mentirar acaba comprometendo a base de uma relação construída em confiança.
“A confiança é uma contingência relacional essencial: quando ela é rompida, o comportamento de confiar — que antes era reforçado positivamente — a a ser punido. O resultado é uma diminuição na comunicação, nas decisões compartilhadas e no sentimento de parceria. O dinheiro, nesses contextos, deixa de ser apenas um meio de troca e a a representar poder, controle e autonomia individual — gerando tensão no vínculo”, explica o analista.
Arnaldo ainda observa em sua clínica que a infidelidade financeira gerou desgaste emocional profundo em vários de seus pacientes, levando-os a conflitos recorrentes e até separações. “A pessoa traída costuma relatar uma sensação de traição comparável à infidelidade afetiva/sexual, porque a omissão envolve uma parte essencial do planejamento de vida”.
O psicólogo frisa que esse tipo de traição pode ocorrer tanto durante o relacionamento quanto depois do rompimento a partir da dilapidação do patrimônio do casal: “Isso acontece, por exemplo, em função de decisões de maior gasto como forma de punir o outro, mas também em função de disputas judiciais intermináveis que acontecem principalmente depois da separação”.
O ciclo de mentiras é causado principalmente pela falta de comunicação dos casais, que raramente conversam sobre dinheiro e hábitos financeiros antes de se comprometerem um com o outro. Arnaldo ainda aponta que “muitos casais que até constroem uma relação com bastante diálogo sobre muitos assuntos acabam negligenciando o diálogo sobre finanças por conta de aspectos culturais e familiares”, o que resulta em solo fértil para esse tipo de conflito.

Sinais de uma infidelidade financeira
Em geral, a pessoa que está omitindo fatos sobre sua situação econômica dará indícios que tem algo a esconder de seu parceiro. O psicólogo aponta que a pessoa irá evitar conservas sobre finanças e reagir defensivamente quando o tema surgir nos debates do casal. A situação se torna ainda mais nociva quando a infidelidade financeira é motivada pela falta de confiança no cônjuge.
Ele aponta que a discrepância entre o estilo de vida e os rendimentos aparentes são um bom sinal de que o seu parceiro está mentindo sobre sua situação econômica. A recusa de compartilhar senhas, extratos e planejamentos econômicos também são sinais de alerta em uma relação.
Alguns exemplos que caracterizam infidelidade financeira são: esconder de seu par sobre dívidas ou pedidos de empréstimo, mentir sobre o valor do salário que você recebe, não pagar contas da casa e destinar o dinheiro para uso pessoal, esconder compras ou comportamentos compulsivos relacionados ao consumo, entre outros.
A mentira é motivada por compulsão?
Em alguns casos, a infidelidade financeira está relacionada a pessoas que sofrem com compulsão por compras, usando o gasto excessivo como uma forma de aliviar emoções como ansiedade, frustração ou tédio. Embora traga alívio momentâneo, esse comportamento tende a gerar culpa e conflitos ao longo prazo.
“Quando a pessoa começa a esconder o que comprou, ou sente vergonha de mostrar suas escolhas, é possível que esteja entrando num ciclo de compulsão. Do ponto de vista da análise do comportamento, isso revela uma baixa sensibilidade às consequências futuras e uma dominância do reforço imediato”, explica Arnaldo.
O psicólogo, no entanto, destaca que nem toda infidelidade financeira está ligada à compulsão por consumo. Segundo ele, a principal causa do problema continua sendo a falta de confiança e de diálogo entre o casal, além do receio de gerar conflitos na relação.

Como evitar conflitos sobre as finanças do casal
Há maneiras de transformar seu relacionamento em um ambiente mais saudável e comunicativo, onde ambas as partes possam se sentir confortáveis em se abrir sobre qualquer assunto – incluindo compartilhar, planejar e decidir as finanças do casal de uma forma que ele se sinta confortável, sem o medo de ser punido. Arnaldo Cheixas Dias frisa que é importante que essas conversas não sejam associadas apenas a conflitos.
“Falar sobre dinheiro deveria ser como fazer manutenção preventiva de um carro: não esperamos ele quebrar para verificar o óleo do motor”, comparou o psicólogo. “O dinheiro deve ser um projeto comum. Casais que conversam sobre valores, sonhos e prioridades financeiras desde cedo tendem a ter menos conflitos e mais satisfação no relacionamento. Isso reforça comportamentos de transparência, corresponsabilidade e parceria”.
Ele sugere a terapia como uma forma de (re)condicionar o padrão de comunicação do casal, promover novas formas de reforçamento mútuo e reestruturar de acordos quebrados, além de outras práticas fora dos consultórios para promover a melhora do relacionamento, como:
- Reservar um valor mensal de uso individual, sem necessidade de justificativa;
- Estabelecer metas conjuntas de curto e longo prazo;
- Ter reuniões regulares para revisar finanças de forma aberta