Era uma manhã comum de sábado, mas para aquela mãe, era um dia especial. Ela caminhava até a escola com o coração cheio de entusiasmo. Ia buscar as notas do filho. Mais do que números em um boletim, ela queria ouvir do professor: Quais são os pontos fortes do meu filho? Onde ele pode melhorar? Como posso ajudá-lo a crescer? Para ela, o filho era mais que um estudante — era o futuro em construção.
Mas ao chegar à escola, o cenário era outro. Em vez de diálogos construtivos, encontrou um ambiente carregado de ruídos — não apenas sonoros, mas emocionais. Um grupo de pais reclamava da ausência de uma placa dentro da sala com a indicação das séries (só havia placa com o nome da disciplina na porta). Outro grupo se queixava da altura da rampa de o ao segundo piso. Logo, surgia um movimento de insatisfação coletiva, quase um manifesto. E ela, que havia chegado com sonhos, começou a se encolher diante do barulho. Suas perguntas, suas esperanças, foram silenciadas por um coro de reclamações.
Mas mesmo em meio ao caos, havia um ponto de luz. Uma professora da disciplina de História — ou melhor, uma sobrevivente. Em meio àquela multidão de vozes exaltadas, ela estava ali, firme, cumprindo um propósito. Isso mesmo: propósito. Sentei-me à sua frente, olho no olho, e com serenidade, ela procurou um arquivo em seu notebook. Mostrou-me exatamente o que eu buscava: um planejamento individual, cuidadosamente elaborado, com observações sobre o desenvolvimento do meu filho, os pontos fortes e os pontos fracos. E o melhor — aquilo que aquece o coração de toda mãe —: “Seu filho compreende perfeitamente a metodologia que aplico em sala.” Ela não apenas ensinava — ela ama o que faz. É uma verdadeira amante da profissão, uma educadora que resistia, que acreditava, que construía.

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Os professores, que deveriam ser os condutores do diálogo e da esperança, também estão adoecendo. Uma pesquisa realizada pela FTD Educação, com 978 professores e coordenadores de escolas públicas e privadas de todo o Brasil, entre agosto e setembro de 2023, revelou que quase 58% dos educadores apontam a saúde mental e o equilíbrio emocional como os maiores desafios da profissão. Estresse, ansiedade e dificuldade em lidar com conflitos foram os aspectos mais mencionados.
Esses números não são apenas estatísticas. São vozes caladas, sorrisos forçados, ausências em casa, noites mal dormidas. São professores que, como aquela mãe, também sonham com o futuro dos seus alunos, mas muitas vezes não encontram espaço para serem ouvidos.
Paulo Freire, um dos maiores educadores brasileiros, dizia:
“Educar é um ato de amor, por isso, um ato de coragem.”
Mas em tempos difíceis, até o amor precisa de escuta. E a coragem, de apoio. Quando o ambiente escolar se torna um campo de tensões, todos perdem: alunos, pais, professores e a própria sociedade.
Hoje, muitos educadores evitam expressar suas opiniões com medo de represálias. O espaço do diálogo foi substituído por trincheiras de certezas absolutas. E o que era para ser um encontro de construção coletiva, vira um campo de batalha de egos e frustrações.
Aquela mãe saiu da escola com mais dúvidas do que respostas. Mas talvez a maior pergunta que ela — e todos nós — devamos fazer seja: Estamos construindo pontes ou muros?
Porque os tempos difíceis não são exclusivos da escola. São também os dias do médico que precisa atender dezenas de pacientes em um plantão exaustivo. Do advogado que tenta equilibrar justiça e pressão. Do pedreiro que sobe andaimes sob o sol escaldante. Do ajudante de obras que carrega sacos de cimento com o corpo e com a esperança. Da diarista que limpa casas com dignidade, mesmo quando não é vista. Da sociedade inteira, que parece estar sempre à beira de um colapso emocional.
Vivemos dias em que o silêncio virou refúgio, e o desabafo, um luxo reservado ao divã. Mas talvez, se silenciarmos um pouco o barulho externo, possamos ouvir novamente o que realmente importa: os sonhos, os afetos, os futuros que ainda podemos construir — juntos.