Menos da metade das bolsas ofertadas pelo Programa Universidade Para Todos (Prouni) entre 2013 e 2024 foram preenchidas. Isso representa quase 2,5 milhões de estudantes que perderam a chance de cursar o ensino superior por meio do programa do governo federal nestes 12 anos.
Criado em 2004, o programa oferece bolsas integrais (isenção de 100% no valor da mensalidade) e parciais (desconto de 50%) em instituições privadas de ensino superior de todo o país. O acordo é benéfico tanto para estudantes quanto para as instituições, que têm descontos em diversos impostos de acordo com o preenchimento das vagas do programa.
Ao longo dos últimos 12 anos, o programa teve 24 edições (duas por ano) e ofertou mais de 4,8 milhões de vagas. Dessas, apenas 48,9% foram efetivamente preenchidas, destinadas a estudantes que se enquadravam no perfil de beneficiários do programa.
Ficaram ociosas quase 2,5 milhões
Para Henrique Silveira, sócio de Educação do escritório de advocacia Mattos Filho, os números destacam problemas na cooptação de candidatos com perfil para a iniciativa.
“O Prouni é um programa muito importante e com resultados muito positivos. Mas a queda na taxa de ocupação das vagas mostra que, por algum motivo, o público-alvo tem perdido interesse na oportunidade. Sabemos que há milhares de pessoas com perfil para o programa, mas é preciso trazê-las para ele”, avalia.
Aumento na ociosidade das bolsas
Historicamente, o primeiro semestre oferece mais vagas e tem maior diversidade de cursos. Por isso, a primeira edição do Prouni de cada ano tende a ser mais exitosa no preenchimento das vagas em comparação com o segundo semestre.
Ainda assim, entre 2013 e 2024, a única vez em que o preenchimento das bolsas ultraou o total de vagas ofertado inicialmente foi na edição do segundo semestre de 2016, resultando em ociosidade negativa das bolsas integrais.
Mesmo com esse feito, a média de ociosidade na edição, considerando as bolsas parciais, foi de 30%.
A partir de então, a média de ocupação das bolsas vem despencando nas duas edições do ano. Em 2024, 27% das vagas (parciais e integrais) foram preenchidas na edição do primeiro semestre, e somente 15% foram ocupadas no segundo semestre.
Perfil do beneficiário do Prouni
Os critérios de participação no Prouni não costumam variar entre as edições. Uma das poucas exceções é o ajuste anual no critério de renda, que considera o salário mínimo do ano vigente.
Outra mudança estipulada recentemente foi a inclusão de estudantes oriundos de escolas particulares sem a condição de bolsistas no perfil de beneficiados do programa.
Antes de 2022, o programa não aceitava que um aluno que cursou o ensino médio em escola particular como estudante pagante concorresse a bolsas do Prouni. A mudança foi apresentada como uma medida para aumentar a inclusão social e diminuir a ociosidade das vagas, uma vez que os critérios de renda mínima per capita continuaram valendo para o novo público.
Para concorrer a uma bolsa em qualquer uma das edições do programa em 2024, o candidato devia:
- ter realizado o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2022 ou em 2023, e
- ter obtido média mínima de 450 pontos nas áreas de conhecimento e nota superior a zero na redação.
Para calcular essa média, é preciso somar as notas individuais das quatro áreas do conhecimento das quais a prova é composta e dividir o total por quatro.
Além disso, era preciso atender a pelo menos um dos pontos abaixo:
- Ter cursado o ensino médio completo em escola da rede pública;
- Ter cursado o ensino médio completo em escola privada como bolsista integral;
- Ter cursado o ensino médio parcialmente em escola da rede pública e parcialmente em instituição privada, na condição de bolsista integral;
- Ter cursado o ensino médio parcialmente em escola da rede pública e parcialmente em instituição privada com bolsa parcial ou sem a condição de bolsista; ou
- Ter cursado o ensino médio completo em escola privada com bolsa parcial da respectiva instituição ou sem a condição de bolsista;
- Ser pessoa com deficiência, na forma prevista na legislação; ou
- Ser professor da rede pública de ensino, exclusivamente para os cursos de licenciatura e pedagogia, destinados à formação do magistério da educação básica.
Benefícios fiscais para as universidades
Os detalhes da isenção de impostos e de contribuições das instituições que aceitam o termo de adesão do Prouni são regidos por uma normativa de 2013 da Receita Federal.
O texto define que, durante o período de vigência do termo de adesão, as instituições ficam isentas dos seguintes tributos:
- Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins);
- Contribuição para o PIS/Pasep;
- Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); e
- Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).
Quando o programa foi criado, a isenção era calculada com base na oferta das bolsas. No entanto, desde 2014, o benefício fiscal está associado ao preenchimento das vagas.
“Se a instituição tem que ofertar, por obrigação legal, 10 bolsas, mas só preenche sete, ela vai ter 70% de isenção. Hoje, é assim que funciona”, explica Henrique Silveira.
Como as vagas criadas são calculadas
O cálculo exato para criação e preenchimento de bolsas é o seguinte:
- A universidade que adere ao programa precisa criar uma vaga para cada 10,7 alunos pagantes matriculados no período letivo anterior. Ou seja, a cada 107 estudantes que pagam pelas mensalidades, a instituição criará 10 bolsas integrais de Prouni, no mínimo.
Mas, além de criar a vaga, a instituição precisa que essa quantidade mínima de bolsas seja preenchida para conseguir a totalidade da isenção de impostos. Então, não basta disponibilizar as vagas, é preciso que elas sejam ocupadas.
O que dizem representantes das instituições
Para as instituições privadas de ensino superior, o Prouni é um programa exitoso, mas possui problemas operacionais que dificultam justamente o preenchimento das vagas.
Lúcia Teixeira, presidente do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior (Semesp), avalia que a ociosidade das vagas é um problema que deveria ser combatido em parceria com o governo federal.
Para ela, a ocupação das vagas aumentaria com mais divulgação do programa por parte do governo, mas a flexibilização de aspectos do processo de seleção seria fundamental.
Atualmente, a nota de corte do Prouni é a média de 450 no Enem. Mas muitos alunos foram afetados pela pandemia e atingir essa média se tornou mais difícil. Talvez, em um primeiro momento, essa nota pudesse ser reduzida e o aspecto do prejuízo poderia ser considerado na seleção” Lúcia Teixeira, presidente do Semesp.
A presidente do Semesp sugere que o prejuízo de aprendizado trazido pelo estudante poderia ser combatido já durante o curso superior, em um projeto de recuperação de aprendizagem integrado à graduação.