22 de maio de 2025

O que acontece nas primeiras 24 horas após uma prisão?

Pouca gente sabe o que acontece quando alguém é preso em flagrante. A imagem que normalmente se forma é a da viatura, da algema e da cela. Mas o que vem logo depois, silencioso, rápido e decisivo, é o momento mais urgente de toda a jornada processual: a audiência de custódia.

Esse termo pode soar técnico demais, como tantos no universo do Direito. Mas trata-se de algo muito simples e, ao mesmo tempo, profundamente humano: o encontro entre a pessoa presa e o juiz, nas primeiras 24 horas após a prisão. Esse momento serve para avaliar a legalidade da prisão e verificar se houve violência policial ou qualquer tipo de abuso.

Até aqui, parece justo. Mas o problema não é a teoria. É a prática.

As audiências de custódia foram implantadas no Brasil em 2015, por recomendação internacional. A ideia era impedir que prisões ilegais ou arbitrárias assem despercebidas pelo sistema. Também pretendia-se apurar eventuais maus-tratos sofridos no ato da prisão.

Na prática, porém, muitas vezes tudo se resolve em poucos minutos.

O juiz tem diante de si um preso cansado, às vezes machucado, frequentemente desorientado. O Ministério Público está ali, atento. A defesa, por sua vez, nem sempre está preparada. Às vezes o advogado é nomeado na hora. Às vezes não comparece. Às vezes, o réu fala demais. Ou cala quando deveria falar.

E aí a decisão acontece: liberdade provisória, prisão preventiva ou medidas cautelares.

É rápido. Rápido demais para quem não sabe o que está fazendo. O que deveria ser apurado… nem sempre é.

A audiência de custódia também tem como finalidade apurar eventuais abusos cometidos no momento da prisão. Já houve relatos de presos que chegaram algemados com força excessiva, lesionados, ou até mesmo com marcas de agressão clara.

Mas o número de investigações abertas a partir dessas denúncias é mínimo. Um levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostrou que a maioria absoluta dessas declarações, ainda que documentadas, não gera nenhuma responsabilização. É como se fossem ignoradas, engolidas pela rotina dos fóruns.

Se a pessoa presa não tiver alguém para defendê-la tecnicamente ali, naquele momento, o risco é alto. Porque o que se decidir naquela audiência pode repercutir durante todo o processo penal, inclusive dificultando ou atrasando um futuro pedido de liberdade.

Técnica, calma e estratégia são primordiais. É por isso que a audiência de custódia exige algo que falta a quem acaba de ser preso: técnica e estratégia jurídica.

O advogado precisa ter domínio do Código de Processo Penal, mas também sensibilidade para perceber o que o juiz espera, o que o Ministério Público teme e o que o réu não pode dizer. É um momento em que o Direito se mistura com psicologia, linguagem corporal e leitura de sala de audiência.

É também, para muitos, a única chance real de liberdade no início do processo. Não é só um procedimento: é uma oportunidade.

Muitos réus sequer entendem que ali não se está “julgando o crime”, mas sim avaliando a prisão. O juiz não vai declarar inocência nem condenar ninguém — mas pode, sim, colocar o acusado em liberdade ou mantê-lo preso por tempo indeterminado.

Por isso, antecipar essa etapa com orientação jurídica clara é fundamental. Ter um advogado que compreenda os detalhes, que saiba o que questionar e como apresentar a defesa nesse primeiro ato processual, faz toda a diferença.

Não são raros os casos em que a liberdade é concedida porque o defensor soube demonstrar que a prisão era ilegal, desnecessária ou desproporcional, mesmo diante de uma acusação grave.

A audiência de custódia não é um detalhe. É um divisor de águas. Para quem foi preso, ou tem um familiar nessa situação, entender esse procedimento pode significar a diferença entre ar meses esperando julgamento atrás das grades… ou responder em liberdade, com dignidade, como manda a Constituição.

E se esse texto te ajudou a entender um pouco mais sobre o tema, cumpri meu papel. Porque, no fim das contas, informação, como o Direito, também é uma forma de proteção.

Roraima Rocha é Advogado; sócio fundador do escritório MGR – Maia, Gouveia & Rocha Advogados; Mestrando em Legal Studies Emphasis in International Law (Must University – EUA); Especialista em Direito Penal e Processual Penal (Faculdade Gran); Especialista em Advocacia Cível (Fundação do Ministério Público do Rio Grande do Sul – FMP); Membro da Comissão de Prerrogativas, Secretário-Geral Tribunal de Ética e Disciplina – TED, e Presidente da Comissão de Advocacia Criminal da OAB/AC.

PUBLICIDADE

Bloqueador de anuncios detectado

Por favor, apoie-nos desativando sua extensão AdBlocker de seus navegadores para o nosso site.