Nesta segunda-feira (26), será iniciada, a partir de Rio Branco, no Acre, uma expedição de cientistas que se estenderá até o dia 10 de junho, com visitas a locais da região Sul da Amazônia onde, desde os anos 1970, foram encontrados o maior número de geoglifos brasileiros — grandes figuras geométricas marcadas no solo, descobertas principalmente no estado do Acre, reveladas pelo desmatamento e queima da vegetação.
Entre Rio Branco e Boca do Acre, no sul do Amazonas, já foram mapeadas 523 estruturas em formatos de círculos, quadrados e outras figuras, que teriam sido feitas por civilizações antigas que habitavam a Amazônia. Esses monumentos continuam sendo estudados para que possam ser cada vez mais preservados.

A expedição contará com drones e outros equipamentos dotados da tecnologia LiDAR, de alta precisão/ Foto: Reprodução
O objetivo da próxima expedição é recolher material genético capaz de ser analisado com o Carbono-14, técnica que mede a idade de restos biológicos com base na decadência de isótopos radioativos, essencial para determinar a cronologia dos objetos.
Pesquisas atuais revelam sinais de que, na região, existiram sociedades complexas, com capacidade cognitiva comparável à da Grécia Antiga. Esta nova expedição começará por Assis Brasil, na fronteira do Acre com o Peru, e seguirá de Boca do Acre, no Amazonas, até a margem direita do rio Purus e a margem esquerda do rio Madeira, em Rondônia, além das margens do rio Abunã, na fronteira do Acre com Pando, na Bolívia.
“Iremos realizar pequenos poços de teste em geoglifos para obter material orgânico para datação por C14”, revelou o paleontólogo Alceu Ranzi, pesquisador aposentado da Universidade Federal do Acre (Ufac) e da USP (Universidade de São Paulo).
A expedição contará com a presença do Dr. Martti Pärssinen, da Universidade de Helsinki; do Dr. Rhuan, da Universidade Federal do Pará; e do Dr. Wenceslau Teixeira, da Embrapa Solos, do Rio de Janeiro, além de Ranzi — cientista internacionalmente reconhecido pela descoberta, divulgação e estudo dos geoglifos no Acre e na Amazônia.
Ranzi foi um dos primeiros a estudar essas estruturas arqueológicas e é autor do livro Geoglifos do Acre: ado Profundo, que resume suas pesquisas, sempre destacando a importância cultural e arqueológica dessas formações.

As evidências sugerem que, há cerca de 2 mil a 3 mil anos, uma civilização sofisticada, com amplo conhecimento geométrico, ergueu essas estruturas/ Foto: Reprodução
Além disso, Ranzi tem contribuído significativamente para a conscientização sobre esse patrimônio histórico e cultural, promovendo sua divulgação. “Sim, o objetivo é colher material orgânico para datação por C14. Nossos ancestrais amazônicos dominavam a geometria ao mesmo tempo que os gregos. Assim como eles, também realizavam essas obras. São ao menos dois locais do mundo onde a geometria surgiu de forma independente: a Amazônia e a Grécia”, disse Alceu Ranzi em entrevista exclusiva ao Contilnet.
Expedição audaciosa: desvendar quem construiu as estruturas
O pesquisador não esconde o tamanho da audácia desta nova expedição: desvendar os segredos dos geoglifos da Amazônia — essas monumentais estruturas geométricas escavadas no solo há milênios —, além de revelar quando e por quem foram construídas, trazendo à tona a história da civilização que habitou o Acre e o Amazonas em tempos tão remotos quanto os de gregos e romanos, antes de Jesus Cristo.
“Em breve, teremos dados consistentes sobre quando esse povo viveu aqui”, garante Ranzi.
As evidências sugerem que, há cerca de 2 mil a 3 mil anos, uma civilização sofisticada, com amplo conhecimento geométrico, ergueu essas estruturas para rituais, celebrações ou até propósitos defensivos, desafiando a ideia de uma Amazônia “intocada”.
“As pesquisas precisam ser cada vez mais aprofundadas, porque, quanto mais pesquisamos, mais perguntas surgem do que respostas”, afirma o pesquisador, destacando que, pela forma das estruturas — quadrados, círculos, retângulos —, quem as construiu dominava a geometria, realizava desenhos monumentais e habitou esta região por cerca de dois mil anos, desaparecendo por alguma razão.
“Tenho a informação”, acrescenta Ranzi, “de que o desaparecimento se deu ao mesmo tempo em que os maias desapareceram no México, na região florestada, onde foram encontradas pirâmides e palácios de pedras gigantescos. Também aqui esse povo construtor desapareceu, e nós tivemos muitos estudos, muito trabalho disciplinado”.

A equipe trabalha com pressa, pois percebe que as estruturas estão cada vez mais ameaçadas/ Foto: Reprodução
A expedição contará com drones e outros equipamentos dotados da tecnologia LiDAR, de alta precisão, que mapeia o terreno sob a densa floresta. A equipe incluirá três fotógrafos especializados. Recentemente, os pesquisadores identificaram novos geoglifos, ampliando o mapa arqueológico da região. Essas descobertas reforçam a existência de uma rede de centros cerimoniais que conectava comunidades em vastas áreas da Amazônia, evidenciando uma organização social complexa.
A equipe trabalha com pressa, pois percebe que as estruturas estão cada vez mais ameaçadas, e alerta para a necessidade de esses monumentos integrarem definitivamente os achados da ciência arqueológica e a conservação ambiental.
Testemunhos de uma civilização que vivia em harmonia com a floresta, os geoglifos agora enfrentam as ameaças de tratores revolvendo a terra e queimadas calcinando as florestas.
“Proteger esses sítios é também preservar a memória de um povo que moldou a Amazônia, desafiando o mito de uma selva intocada e inspirando um futuro sustentável. A Amazônia não é mais uma selva virgem; ela foi moldada por povos que viviam em harmonia com a natureza”, destaca Ranzi, alertando para a destruição de um patrimônio arqueológico inestimável.
Natural do Rio Grande do Sul e radicado no Acre há mais de quatro décadas, Alceu Ranzi se tornou referência mundial no estudo dos geoglifos. Presidente do Instituto Geoglifos da Amazônia e coordenador do projeto “Desvelando o ado Profundo”, ele publicou obras como Geoglifos do Acre: ado Profundo (2021) e artigos em revistas como Journal of Field Archaeology e Antiquity, muitos em parceria com pesquisadores como Martti Pärssinen e Denise Schaan.
Com mestrado em Geociências e doutorado pela Universidade da Flórida, Ranzi dedicou 25 anos à pesquisa, transformando o Acre em um epicentro de descobertas arqueológicas.
Uma civilização populosa na Amazônia imemorial
Ranzi afirma que esta expedição é mais do que uma busca por respostas: é um chamado para proteger a história e o ecossistema amazônico. Com tecnologias como o LiDAR, os cientistas já encontraram milhares de estruturas, sugerindo que a população que aqui vivia era muito maior do que se imaginava.

Um dos desenhos milenares (geoglifos) fotografados por Diego Gurgel
“Não sabemos por que essa civilização desapareceu, mas cada geoglifo descoberto nos aproxima de desvendar esse mistério”, afirma Ranzi.
Enquanto a Amazônia enfrenta a ameaça do desmatamento, a ciência corre contra o tempo para preservar um ado que pode redefinir o futuro, uma vez que os geoglifos não são apenas relíquias: são testemunhos de uma civilização que desafia preconceitos históricos e reforça a importância da Amazônia para o clima global.
“Proteger esse patrimônio é garantir que as vozes de um povo ancestral continuem a ecoar, inspirando gerações a valorizar a floresta e sua história milenar”, diz Ranzi, segundo o qual, com a proteção, todos têm a ganhar: “O município tem a ganhar, a população tem a ganhar, todo mundo tem a ganhar com as revelações das pesquisas.
Esperamos que, num futuro breve, nas cartilhas e nos livros que se usam em sala de aula, não apareçam apenas as pirâmides do Egito, a Mesopotâmia ou algo assim. Que tenhamos também as relíquias do nosso povo, deixadas aqui na Amazônia”.