Membro de uma tradicional família acreana, de origens cearense, os Maia, que rendeu ao Acre políticos, profissionais da medicina, da literatura do magistério e, enfim, dos mais variados tipos de arte, ele tem também um pezinho na Bolívia, já que o pai era boliviano.
Embora não assine o sobrenome Maia por um desses caprichos cartorários de tempos distantes no Acre, Fernando França, apenas Fernando França, aos 63 anos, além de um artista plástico consagrado, principalmente em Fortaleza, no Ceará, onde está radicado há quase 50 anos, é um nome e sobrenome internacionais.

Artista plástico acreano que já expôs nos principais museus da Europa, diz que a arte pode salvar vidas. Foto: Reprodução
Afinal, ao redor do mundo, principalmente no velho continente europeu, que cultua a arte, há quadros deste ilustre acreano a ilustrar a paisagem. É sobre sua produção e a beleza de suas telas, de suas origens e o que ele faz atualmente, que trata a entrevista a seguir.
Veja os principais trechos:
Vamos começar do começo: Quais são suas origens no Acre?
Fernando França – Bom, embora eu não assine o sobrenome, minha origem é da família Maia. Minha mãe era prima do Milton Maia, do Mário Maia, enfim, eu sou um Maia. Nasci em Rio Branco, pelas mãos de uma parteira, há 63 anos.
Qual sua formação acadêmica?
Fernando França – Me formei em letras lá no Ceará, já com mestrado em literatura.
Quando foi que você descobriu a arte plástica?
Fernando França – Na verdade, isso veio muito cedinho na minha vida, eu criança ainda. Quando eu vi histórias em quadrinhos, ficava encantado com aqueles desenhos. Então, eu o a copiar o que via, das histórias em quadrinho e daí foi paixão cada vez mais crescente, me vi completamente envolvido pelas artes e ainda jovem quis seguir essa carreira, mas aqui no Acre, na época, não havia qualquer possibilidade de fazer algo relacionado às artes.
Quando é esse período?
Fernando França – Não sei exatamente, mas lembro que eu era criança ainda. Eu nasci em 1962 e, aos 10 anos, eu lembro muito bem, eu já tinha uma coleção de revistas em quadrinho e cada vez mais crescia essa vontade de desenhar.
E, nessa época, você já tinha desenhado algo coisa digna de mostrar ao público?
Fernando França – Não, era algo só para mim, meras reproduções. Mas já tinha muita coisa guardada.
Se você tivesse que se autodefinir, você diria que é um artista plástico de qual vanguarda? Expressionista, Fauvista, Cubista, Futurista, Dadaísmoista ou Surrealista? Qual é dessas a sua vanguarda, o seu estilo?
Fernando França – Hoje, eu diria que não tenho assim um estilo definido. A tônica do meu trabalho pé figurativo, mas eu tenho trabalhado, principalmente de dez anos para cá, voltado para a Amazônia. Estou produzindo uma série amazônica dentro do realismo fantástico, como, por exemplo, os seres encantados – Curupira, Mapinguari, Gogó-de-Sola, Mãe D’agua, Cobra Grande, enfim, todas essas entidades, todas essas figuras mitológicas. Eu faço uma recriação desses mitos conforme a gente conhecia. Daí vou criando outras histórias com outras cores, muito colorido.
O que você utiliza em termos de cores e materiais basicamente?
Fernando França – Eu trabalho com aquarelas, sobre papel e, nas telas, trabalho com óleos – óleo sobre tela…
E como é aceitação sobre essa mitologia amazônica?
Fernando França – Sim, com certeza. Eu acho que esse apelo hoje é do mundo inteiro porque há, sim, um interesse muito grande pelas questões ambientais em função desse processo de destruição que a gente vem vivendo e para o qual o planeta já começa a dar suas respostas. Então há, sim, esse interesse. Essas coisas da Amazônia sempre muito atrativas.
Quando é que você conclui e expõe esses quadros sobre a mitologia da Amazônia?
Fernando França – Sinceramente, não sei ainda. Já tem mais de dez anos que eu venho fazendo. Estou fazendo uns painéis muito grandes, que são três prontos, que participaram dessa exposição, os quais expus no final do ano ado no Rio, no Museu do Amanhã. E estou preparando mais três, no mesmo formato, que é dois e setenta por três e sessenta. São painéis muito grandes.
E a exposição será em torno de quantos desses painéis?
Fernando França – Não sei dizer ainda, mas pelo menos seis eu vou fazer, numa mistura de todos elementos, por exemplo, da mitologia, animais da região, peixes e vários outros animais, a floresta também. Haverá também imagens. representado de uma forma antropomórfica, de como se as árvores todas tivessem vida. Então é um trabalho que tem me dado assim um prazer muito grande de fazer porque ele me traz de volta aqui, às minhas origens…
Você está há quantos anos fora do Acre?
Fernando França – Há ais de 40 anos radicado em Fortaleza, mas tenho andado por boa parte do mundo, mas sempre levando o Acre, a Amazônia, no coração. Enfim, tudo o que diz respeito a gente, dentro de mim. É isso o que pinto.
Por falar em mundo, onde você há expôs a sua obra?
Fernando França – Já expus em muitos lugares. Na Europa, principalmente França, Dinamarca, Hungria, Portugal, Espanha, Alemanha, numa série de países.
Você tem quadros por aí, tem hoje?
Fernando França – Tem, em vários lugares. Estou tendo uma possibilidade de expor na Espanha, talvez no ano que vem.
Voltando ao ado: você, como criança aqui no Acre, vivendo a falta de apoio ás artes, principalmente na arte plástica, o que você teria a dizer aos governos, aos empresários, a quem possa apoiar e àquelas crianças que, como você, também têm o sonho dessa arte?
Fernando França – O que essas pessoas, esses dirigentes, deveriam ter era a sensibilidade de saber que só a arte salva. Quer dizer, o homem, pelo que a gente tem visto no decorrer das histórias, desde o seu aparecimento, ele tem uma relação muito grande com as artes, com o simbólico, isso é uma característica nossa, os humanos. Como diz Ferreira Goulart, a arte existe porque a vida não é suficiente. A gente tem essa necessidade de repensar toda a nossa existência, as nossas sociedades.
É possível que haja muito por aí, escondidos nas periferias acreanas, outros Fernandos França querendo uma oportunidade para também desenhar?
Fernando França – Com certeza. Eu acho que no meu tempo, era tudo muito mais difícil, para a gente ter o à informação, a coisas ligadas à arte. Nem livros havia por aqui, era difícil a gente conseguir um. E hoje assim você com a internet, você pode ver, o artista que acaba de fazer uma exposição, digamos, lá na Alemanha, o o interessado já pode ter o aqui e ver as coisas que estão sendo produzidas no mundo, não é? Nesse sentido é muito mais fácil hoje do que no meu tempo. Eu tive que fazer, na época, a única possibilidade que a gente teve, um amigo meu, ao lado de um amigo, Branco.
O Branco é acreano, que vive em Brasília não é?
Fernando França – Na verdade ele é paraense mas morou aqui há muito tempo. Hoje ele voltou a mora em Belém. Na verdade ele deixou de pintar, continuou desenhando mais para si e hoje ele trabalha com computação, nessa arte de programação. Branco Medeiros é o nome dele e diante das dificuldades da época, a gente fez aquele curso por correspondência do Instituto Universo Brasileiro, sobre histórias em quadrinhos. E a gente tinha um curso lá que se chamava Desenho Artístico Publicitário. Começou por aí e sonho que continue por muitos anos e que outros artistas surjam.
Ao que tudo indica, o Acre, apesar das dificuldades, sempre teve uma presença muito forte nas artes plástica, não foi? Aqui tivemos um Garibaldi Brasil, um Hélio Melo, um Sansão Pereira, e ainda temos artistas grandiosos como Danilo de S’Acre, Ivan Canpos, tivemos um Jorge Rivasplata, peruano que adotou o Acre… Ao que se deve a isso, na sua avaliação?
Fernando França – Ao talento nato, mas também às técnicas trazidas por esses nomes que você citou. O Danilo, que continua produzindo e produzindo muito, é do meu tempo, lá no teatro Horta. Eu, ele, Branco, Binho Marques e a própria Marina Silva. Ali, quem não era envolvido com a arte plástica, ia para o teatro, para a literatura, para poesia. O Binho Marques (ex-governador do Estado) transitava entre a arte plástica e a poesia e acabou virando político. A Marina Silva (hoje, ministra do Meio Ambiente e a deputada federal por São Paulo), que também entrou para a política, esteve no teatro e acabou produzindo o figurino com costura e bordado, das peças teatrais ali apresentadas. Enfim, uma demonstração da força da arte e que a arte também pode salvar e encaminhar vidas.