As lideranças indígenas de Tarauacá, no interior do Acre, se manifestaram publicamente contra a utilização de elementos culturais dos povos originários por escolas durante os eventos de comemoração dos 112 anos de fundação do município, que serão celebrados no dia 24 de abril. Em nota e entrevistas, os indígenas reivindicam respeito e participação ativa nas decisões relacionadas às suas representações.
A cidade, marcada historicamente pela presença de seringueiros e povos originários, carrega em sua bandeira o símbolo dessas duas figuras. No entanto, as comunidades indígenas denunciam que não foram consultadas pela prefeitura sobre a inclusão de sua cultura nas atividades festivas, como os desfiles escolares. A decisão das lideranças é clara: nenhuma escola municipal ou estadual deve apresentar encenações ou elementos culturais indígenas sem o diálogo prévio com os caciques e as aldeias.
Em entrevista ao ContilNet, o cacique Assis Kaxinawá, liderança indígena da região, explicou que a principal insatisfação das comunidades é a falta de transparência nas decisões da gestão municipal. Ele também comentou sobre a indicação de dois representantes para simbolizar os povos indígenas nas festividades, sem que houvesse conhecimento ou consentimento das aldeias.
“A minha posição é que muitas escolas querem nos representar, mas quando se fala de cultura, somos nós que devemos nos apresentar. Antes e hoje, os indígenas verdadeiros continuam aqui. Vivemos num mundo moderno, no século XXI, mas cultura ancestral ainda é nossa. Não somos contra ninguém, mas queremos respeito. Queremos ser chamados pra dialogar.”
Segundo Assis, a escolha de nomes para representar os povos indígenas foi feita sem comunicação clara com as lideranças e sem publicação oficial.
“Apareceu o nome de dois assessores da política municipal pra representar os povos indígenas. A gente veio saber só depois, por outras pessoas. Não temos nada contra o prefeito nem contra os dois que foram indicados, são até nossos parentes. Mas queríamos uma indicação mais transparente, pois quando se indica alguém oficialmente, vai pro Diário Oficial, né?”
O cacique ainda destacou que o posicionamento dos povos indígenas não tem relação com disputas políticas ou cargos, mas com a importância de uma representação legítima e comprometida com as aldeias.
“Ninguém está brigando por política nem por cargo. Queremos é que nos chamem. Que chamem os caciques, os jovens, os estudantes das aldeias que sabem falar por nós, pra juntos fazermos uma coisa bonita. Porque unidos com ribeirinhos, seringueiros e todas as comunidades, somos mais fortes.”
Assis também aproveitou para elogiar a atuação da Secretaria Estadual de Povos Indígenas, comandada por Francisca Arara, nomeada oficialmente pelo governador do Acre.
“Queremos agradecer ao governador Gladson Cameli por indicar uma mulher indígena, a Francisca Arara. Hoje ela é nossa representação legal no estado. Foi indicada de forma oficial, no Diário da União. Não foi algo escondido. Ela está levando informações pras aldeias, enfrentando dificuldades, mas trabalhando. É isso que a gente quer: transparência e compromisso com os projetos de educação, saúde, produção, segurança. Desenvolvimento real pras terras indígenas.”
A nota oficial divulgada pelas lideranças reforça esse posicionamento:
Nota das lideranças indígenas de Tarauacá
“Professores, no dia 24 deste mês, o município de Tarauacá comemora 112 anos de fundação, e o símbolo da bandeira é um índio e um seringueiro, ou um seringueiro e um índio. Antes e hoje temos indígenas originários e verdadeiros. Nenhuma escola municipal ou estadual pode usar as nossas características sem falar com os caciques e as aldeias para apresentar os nossos mitos ancestrais.”

Bandeira de Tarauacá traz as figuras do indígena e do seringueiro, símbolos das raízes históricas do município/Foto: Reprodução
Até o momento, a Prefeitura de Tarauacá não se manifestou oficialmente sobre o posicionamento das comunidades indígenas.
Além de cobrar respeito e protagonismo dos povos originários nas representações culturais do município, o cacique Assis Kaxinawá reforçou os principais pedidos das comunidades indígenas: que sejam desenvolvidos projetos específicos para as aldeias, voltados à educação, saúde, segurança e produção; que as indicações para cargos representativos sejam feitas com transparência e diálogo; e que os caciques, jovens lideranças e estudantes indígenas sejam ouvidos e envolvidos em todas as decisões que dizem respeito às suas culturas. Para ele, o fortalecimento das aldeias a pela união com os ribeirinhos, seringueiros e com as esferas municipal, estadual, federal e internacional — sempre com respeito à autonomia e à identidade dos povos originários.