Na próxima sexta-feira (21), ocorrerá, na sede regional do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico Nacional), nos altos da Livraria Paim, na Rua Rio Grande do Sul, em Rio Branco (AC), a etapa estadual de debates do órgão com pessoas que trabalham com a produção e venda de tacacá no Acre. A princípio, foram detectadas pelo menos 28 famílias que trabalham diretamente com o produto só na capital Rio Branco.
Os debates pretendem apresentar a este público o resultado de estudos que visam o registro do tacacá como patrimônio imaterial do Brasil. “A partir deste estudo, o resultado será enviado para o conselho do Iphan, em Brasília, para o registro como patrimônio cultural e imaterial do Brasil. Isso significa que o tacacá perderá a definição de que se trata de uma iguaria originária no Pará e ará a ser tacacá do Brasil, posto que é consumido em pelo menos sete estados da Amazônia, a região Norte”, disse ao ContilNet o superintendente regional do Iphan no Acre, Stenio Melo.
O debate vem sendo travado em toda a região Norte, desde o ano ado. Concluída essa fase de estudos, com a aprovação das pessoas envolvidas com a produção e a venda do produto, o registro do Iphan dirá que, enfim, o tacacá é um prato típico do Brasil e um produto do patrimônio imaterial do Brasil.
Na prática, isso significa que as pessoas que trabalham com a venda do produto estabelecidas num determinado local da cidade, como é o caso da Praça da Revolução, no Centro de Rio Branco, não podem ser removidas de seus pontos. “São pessoas que trabalham faz anos, até décadas, nesses locais numa atividade cultural que é transmitida de geração para geração”, disse Stenio Melo.

Tacacá é um dos pratos mais procurados na Praça da Revolução, no Centro de Rio Branco/Foto: Juan Diaz/ContilNet
Os debates que estão prestes a concluir que o tacacá é um produto do Norte do Brasil, envolvendo pelo menos sete estados e não é apenas algo da cultura do Pará, começaram a partir de uma emenda de autoria do senador Jáder Barbalho (MDB-PA). Inicialmente, a ideia do parlamentar era tornar o tacacá um produto originário do Pará e o Iphan decidiu estender os debates para todos os estados da Região Norte.
“Foi contratada a Universidade Federal do Oeste do Pará, para realizar este estudo nas região norte. Este estudo subsidiará o processo de registro das tacacazeiras da região norte, a sua devolutiva será dia 21 de fevereiro para todos os detentores da Região Norte, para possível aprovação do estudo e posteriormente enviar ao Iphan nacional para análise do conselho de registro de patrimônio”, revelou Stenio Melo.
A origem do tacacá
O tacacá tem origem indígena mas só chegou ao mercado no Pará como ofício comercial no século XIX. Atualmente, as tacacazeiras são encontradas em bancas de rua nas calçadas da cidade brasileira de todos os estados da região Norte, principalmente em Belém. Embora seja considerado um prato tipicamente indígena, o preparo do tacacá sofreu influências pelo intercâmbio cultural através dos povos originários, africanos e europeus, resultando em um produto que, mesmo não sendo mais inteiramente nativo, ainda retém sua originalidade baseada no saber tradicional.
Preparado à base de formigas
Em 2013, o ofício das vendedoras de tacacá/tacacazeiras ou a ser patrimônio cultural imaterial do município de Belém. No século XVIII, viajantes em trânsito pela região amazônica já destacavam a importância do tacacá para as populações nativas, constituindo-se num dos principais alimentos consumidos por elas.
No preparo, na época inicial, não era ainda utilizado o camarão seco, mas a formiga saúva e peixes como o matupiri. Ainda em meados do século XX, o escritor Jacques Flores relata que no interior do Pará, por falta de camarão seco, o tacacá era consumido com peixe ou até mesmo camarão fresco.
Como o tacacá deve ser consumido quente, diferentemente do açaí, não pode ser comercializado por vendedores ambulantes, é necessário um ponto fixo com fogão ou fogareiro para o seu preparo. Desta forma, desde pelo menos fins do século XIX os estabelecimentos denominados quitandas serviam como ponto de venda de tacacá em Belém e outras grandes cidades paraenses, além das cidades dos demais estados da região amazônica.
Produto vendido ao ar livre
Documentada em imagens históricas, a venda do tacacá pode ser vista em telas de pintores afamados como produto vendido ao ar livre, nas ruas das cidades. Numa tela de Andrelino Cotta, pintada em 1954 e pertencente ao acervo do Museu de Arte de Belém (MAB), vê-se justamente uma tacacazeira no ato de servir a clientela que aguarda ao redor de uma banca na rua. Noutra tela, de 1937, pintada por Antonieta Feio e também no acervo do MAB, vê-se outra tacacazeira vestida asseada de branco em sua banca organizada, aguardando a chegada da clientela.
Saber tradicional e Preparo e consumo
O saber tradicional é um produto histórico resultado do modo de vida de uma comunidade tradicional e o relacionamento com a biodiversidade que está inserida, baseado no intelecto coletivo ou intelecto cultural.
Este saber se reconstrói na transmissão entre as gerações e, que geralmente é feita por via oral, possui uma visível e imediata aplicação prática na sociedade. O tacacá começa a ser feito de véspera, com a preparação dos principais ingredientes da mistura (tucupi, goma e camarão). A parte mais trabalhosa é cozinhar o tucupi durante horas, até retirar todo o veneno presente na mandioca. Os camarões secos devem ser lavados para retirar o excesso de sal e fervidos. A goma é o último ingrediente e também exige muito trabalho pois a mistura deve ser fervida mexendo sempre, até chegar ao ponto certo.
O horário para o consumo é no fim da tarde, quando chegam a se formar filas em locais que vendem o produto nas ruas. Em Rio Branco, onde há várias barracas, o ponto mais tradicional é o Tacacá da Base, que saiu do bar com este nome e foi instalado no Parque da Maternidade, à altura do Bairro do 7º BEC, na Avenida Ceará.
O tacacá é servido, como nos primórdios , seguindo a tradição indígena, utilizando-se a cuia como prato, na seguinte ordem precisa: pimenta, tucupi, goma, jambu e camarão. O cliente especifica a quantidade de cada ingrediente, com muita ou pouca goma.