A denúncia contra Bolsonaro e o jogo político por trás disso

Ação da PGR representa um marco importante nas investigações sobre os atos de 8 de janeiro

A denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro representa um marco importante nas investigações sobre os atos de 8 de janeiro e as supostas iniciativas antidemocráticas relacionadas às eleições de 2022. No entanto, mais do que um desdobramento jurídico esperado, esse episódio levanta questionamentos sobre o timing da acusação, o papel das instituições e o impacto político dessa movimentação.

A denúncia contra Bolsonaro e o jogo político por trás disso — Foto: TON MOLINA/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

O Brasil tem vivenciado, nos últimos anos, uma intensa judicialização da política. Tribunais e órgãos de controle aram a ter uma presença mais ativa nos embates políticos, o que gera uma linha tênue entre justiça e interferência institucional. Nesse sentido, a denúncia contra Bolsonaro poderia ter ocorrido antes ou depois, mas acontece justamente em um momento de baixa popularidade do governo federal e crise de narrativa do atual presidente. Isso reforça a percepção de que a ação pode estar sendo utilizada como uma estratégia para reativar o já conhecido dualismo entre atual e ex-governo. Coincidência ou cálculo político?

Outro ponto fundamental é a forma como o ministro Alexandre de Moraes tem conduzido esse e outros processos. A rapidez na tramitação e a concentração de poderes nas mãos de um único magistrado levantam preocupações legítimas sobre o equilíbrio institucional. O combate a ameaças à democracia não pode ser feito por métodos que, ironicamente, se assemelham a práticas autoritárias. O Estado de Direito se fortalece com instituições que atuam com isenção, respeitando o devido processo legal e garantindo ampla defesa. Qualquer desvio nesse caminho pode comprometer a credibilidade da Justiça e alimentar ainda mais a polarização política.

Além disso, há um fenômeno curioso no discurso público: a presunção de inocência, um princípio fundamental do Direito, que por muito tempo foi defendido como uma bandeira progressista, parece agora rotulado como uma posição “de direita”. Como foi possível que um conceito essencial ao sistema jurídico asse a ser visto sob uma ótica ideológica? A seletividade na aplicação desse princípio não apenas enfraquece a Justiça, mas também distorce os valores fundamentais que deveriam ser inegociáveis em uma democracia.

No cenário atual, o que deveria ser um debate jurídico legítimo se mistura com estratégias políticas evidentes. O governo precisa lidar com sua baixa aprovação e a falta de uma narrativa consistente para defender suas ações. Diante desse vácuo comunicacional, a denúncia contra Bolsonaro surge como um novo eixo de polarização, desviando a atenção da opinião pública para um embate familiar: o confronto entre ado e presente.

Revanchismo e instabilidade institucional

O Brasil vive há anos um ciclo de revanchismo político, onde quem vence tenta perseguir e isolar quem perdeu. Esse padrão, além de aprofundar a polarização, coloca o país em um estado de instabilidade institucional permanente, enfraquecendo o debate democrático e impedindo que o país avance em questões estruturais. Democracia não se faz apenas com maioria, mas com pluralidade, divergência e respeito aos diferentes interesses que compõem a sociedade.

Isso não significa defender uma isenção absoluta aos possíveis atos praticados pelo ex-presidente. Se houver crimes, que sejam devidamente apurados e julgados. O que se questiona aqui não é a existência de investigações, mas sim as motivações punitivistas que têm orientado a atuação judicial até agora. Se a Justiça age com parcialidade ou de forma seletiva, perde credibilidade, e um país sem instituições confiáveis é um país vulnerável.

O desgaste da polarização e a necessidade de foco nos reais problemas

O brasileiro médio já está cansado desse puxa-encolhe binário entre esquerda e direita, que tem adoecido a nossa democracia e fragilizado qualquer possibilidade de um debate sério sobre os rumos do país. Enquanto os grupos políticos disputam narrativas e vinganças, os problemas reais seguem sem solução. O Brasil enfrenta desafios profundos que exigem mais do que embates políticos — exigem políticas de Estado consistentes, que assegurem dignidade e cidadania à população, especialmente aos que mais precisam.

Temos um país com um sistema tributário regressivo, um mercado de trabalho cada vez mais precarizado, serviços públicos ineficientes e uma desigualdade social persistente. É sobre isso que deveríamos estar debatendo. A política não pode se resumir a uma luta de torcidas, onde o foco está em destruir o adversário e não em construir soluções para o país.

O Brasil precisa olhar para frente. Para um projeto de desenvolvimento, e não para um ciclo infinito de ressentimentos. Se quisermos fortalecer a democracia, precisamos garantir que ela sirva ao povo — e não apenas aos interesses daqueles que detêm o poder momentaneamente.

Matias Vogt é advogado, empresário e colunista do ContilNet. Possui vasta experiência em assessoria política e gestão pública, tendo atuado como assessor no Senado, na Câmara, Para Governadores, Deputados Estaduais e Vereadores. Seu trabalho ao longo dos anos o colocou no centro das articulações políticas e institucionais, permitindo uma visão crítica e aprofundada sobre os bastidores do poder no Brasil.

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